
Você já reparou naquelas plaquinhas com “pontinhos” em alto-relevo em portas de elevador, banheiros ou corredores? Elas fazem parte da sinalização em braille – um recurso fundamental para garantir acessibilidade e autonomia para pessoas cegas ou com baixa visão.
Mas só ter o braille lá não basta.
Muitas sinalizações são mal posicionadas, mal executadas ou apenas simbólicas, sendo inseridas apenas para “cumprir tabela”, mas, na prática, não ajudam ninguém. E o resultado é o oposto do que se espera: em vez de incluir, acabam excluindo.
Se você está envolvido com projetos arquitetônicos, gestão de espaços, comunicação visual ou simplesmente quer tornar um ambiente mais acessível, esse conteúdo é para você. Vamos falar sobre como garantir que a sinalização em braille seja funcional de verdade e gere um impacto positivo na vida das pessoas.
Por que a sinalização em braille é tão importante?
Antes de falarmos sobre como utilizar a sinalização em braille da forma correta, vale reforçar por que ela realmente importa.
A sinalização em braille é uma forma de comunicação tátil, que permite que pessoas cegas possam se orientar, identificar locais, compreender informações e se movimentar com mais segurança e independência. Principalmente em ambientes públicos ou privados, isso pode significar a diferença entre autonomia e dependência.
A acessibilidade não é um luxo ou uma gentileza — é um direito previsto por lei, como no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Brasileira de Inclusão), na NBR 9050 e em diversas normativas específicas para sinalização tátil e comunicação acessível.
Mas, mais que cumprir normas, acessibilidade é sobre respeitar pessoas.
Entenda o que é sinalização em braille
O sistema braille foi criado em 1825 por Louis Braille, um jovem francês que perdeu a visão aos três anos de idade. Baseado em um antigo sistema militar de leitura noturna, o braille utiliza seis pontos em relevo, dispostos em duas colunas verticais de três pontos cada — formando uma célula que permite 63 combinações diferentes. Essas combinações representam letras, números, pontuações e até símbolos matemáticos e musicais.
No Brasil, a grafia braille adotada é a do sistema braille latino, regulamentada por instituições como:
- Fundação Dorina Nowill para Cegos;
- União Mundial de Cegos;
- Biblioteca Nacional;
- Ministério da Educação (MEC), por meio de manuais e publicações técnicas.
Sinalização tátil x sinalização visual
A sinalização em braille faz parte da chamada sinalização tátil — voltada à percepção por meio do toque.
Mas ela não substitui a sinalização visual: as duas devem coexistir.
Por exemplo, uma placa de identificação de porta, como a de um “banheiro feminino”, deve conter:
- Texto em fonte ampliada e de alto contraste (visual);
- Texto em alto-relevo (tátil);
- braille (tátil).
Dados de realidade brasileira
Segundo o IBGE (Censo 2022), o Brasil possui mais de 6,7 milhões de pessoas com deficiência visual, sendo:
- 580 mil pessoas com cegueira total;
- 6,2 milhões com baixa visão significativa.
Ou seja, a demanda por sinalização acessível é enorme – mas a aplicação correta do braille ainda é uma exceção, e não uma regra. Muitos ambientes usam placas com braille apenas para cumprir legislação, sem seguir as normas técnicas, o que inviabiliza o uso.
7 formas de garantir uma sinalização em braille eficiente
Agora, vamos explorar boas práticas, requisitos técnicos e cuidados indispensáveis para criar uma sinalização em braille eficiente de verdade. Isso é algo que vale a pena entender — seja você um profissional da área, responsável por um espaço público ou privado, ou alguém que simplesmente quer entender mais sobre acessibilidade.
1. Não basta ter, tem que funcionar
Em muitos lugares, a sinalização em braille existe apenas para “cumprir exigência”, sem qualquer cuidado com a usabilidade. Um erro comum é instalá-la muito alta, muito baixa ou em locais inacessíveis. O resultado? Ela está lá, mas ninguém consegue alcançá-la.
A altura ideal para leitura tátil é em torno de 1,20 m a 1,60 m do chão, dependendo do local e da posição da placa. E, claro, ela precisa estar desobstruída — não adianta nada se estiver atrás de vasos, sofás, ou outros obstáculos.
Além disso, pense no fluxo do ambiente: a pessoa precisa conseguir chegar até a placa com facilidade e perceber que ela está ali.
2. Padrões existem por um motivo. Use-os
Você sabia que existe uma norma específica que trata de como deve ser o braille nas sinalizações? Pois é. No Brasil, a ABNT NBR 9050 define tamanhos, espaçamentos e alturas dos pontos em braille, além da disposição do texto e do material recomendado.
Se os pontos forem muito pequenos ou rasos, o toque não consegue detectá-los. Se estiverem muito espaçados ou desalinhados, dificultam a leitura. E se forem mal posicionados, atrapalham mais do que ajudam. Portanto, nada de “inventar moda”: respeitar o padrão é essencial.
3. Materiais, acabamento e durabilidade contam muito
Uma boa sinalização em braille deve ser feita com materiais resistentes ao uso diário, as condições climáticas (se estiver em área externa) e ao toque constante. Lembre-se: os dedos vão “ler” essa informação repetidamente – e o tempo pode desgastar superfícies de baixa qualidade.
Por isso, prefira placas em acrílico, PVC, aço escovado ou alumínio com bom relevo. Além disso, invista em um acabamento que não machuque, pois bordas cortantes ou mal polidas podem causar ferimentos.
E mesmo que o braille seja tátil, o contraste visual também é importante. Muitas pessoas com baixa visão se orientam por meio do contraste de cores, tamanho da fonte e símbolos visuais. Então, use cores diferentes entre o fundo e os textos.
4. braille sozinho não resolve: sinalização deve ser combinada
Uma boa sinalização acessível integra diferentes recursos. O ideal é que cada placa tenha:
- Texto em braille;
- Texto em relevo com letras ampliadas;
- Símbolos visuais (como pictogramas);
- Contraste de cores entre texto e fundo.
Essa combinação torna a informação acessível para cegos, pessoas com baixa visão, analfabetos funcionais, idosos e até crianças em processo de alfabetização.
5. Onde colocar sinalização em braille
Outro erro comum é limitar o uso do braille a portas de banheiros. Mas o mundo não se resume a isso, certo? Veja alguns pontos essenciais onde a sinalização em braille deve ser instalada:
- Portas de salas, banheiros, elevadores, recepções;
- Placas de identificação de ambientes;
- Direcionamento em corredores e áreas comuns;
- Mapas táteis em entradas ou recepções;
- Instruções de emergência, como rotas de fuga;
- Botões de elevador e interfone.
Além disso, o caminho até esses pontos também importa. Corredores com piso tátil, indicações de direção e mapas táteis ajudam a pessoa a chegar até a informação.
6. Testar com quem realmente usa é essencial
Às vezes, pode parecer que está tudo certo tecnicamente, mas só quem realmente depende do braille vai saber se a informação está clara, se está fácil de encontrar, se o relevo está legível, se há confusão com símbolos, etc.
Nada substitui o olhar (ou melhor: o toque) de quem usa a sinalização em braille no dia a dia.
7. Atualize e faça manutenções
Por fim, lembre-se: sinalização também precisa de manutenção. Placas podem se soltar, o braille pode se desgastar, ambientes mudam, entre outras mudanças.
Por isso, garanta que a informação esteja sempre atualizada, visível, limpa e legível. Um ambiente acessível não é estático – ele se adapta junto com quem o frequenta.
Conclusão
A acessibilidade não acontece por acaso. Ela é planejada, construída e mantida com cuidado.
Seja você um arquiteto, designer, gestor, síndico ou cidadão preocupado com a inclusão, lembre-se: os detalhes fazem toda a diferença. E um espaço só é verdadeiramente acessível quando funciona para todos, sem exceção.